terça-feira, 12 de outubro de 2010

Um tango e nada mais - Parte I

                                                                       
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             Um tango em inglês na vitrola, dois dedos de Montilla no copo descartável.
              A maquiagem borrada, a vida em cacos - o que mais ela quereria? Mais um cigarro e tudo estaria certo. Não, mais um cigarro não faria tudo ficar bem de novo.
              Ela ainda podia sentir em seus dedos a pele suada daquele filho da puta. Os olhos de lobo ainda pairavam no ar esfumaçado do quarto - ela tinha certeza de que poderia acertá-los com seus sapatos, se realmente quisesse.
              Esticou-se no leito, ronronando como uma gata manhosa.
             "Fumar um brau", sussurrou a madame para si mesma. "Vou morgar hoje". Num suspiro de delírio e prazer, esticou o braço lânguido até o criado mudo, agarrou o cachimbo com a ponta dos dedos mórbidos, trouxe-o à boca e tragou fundo. Segurou a fumaça nos pulmões com força, como se aquilo pudesse trazer-lhe o amor de volta.
               A visão tornou-se confusa, o olfato já não era mais o mesmo. A pele era toda prazer e o coração galopava como um cavalo selvagem. Acariciou os próprios cabelos e gemeu, como se pudesse sentir seu homem ali, fazendo tudo o que ela queria.
               Levantou-se num salto e dançou, solitária, apalpando o próprio corpo. Tateava a pele em busca de mãos, em busca de alguma carícia perdida entre o tecido fino das vestes. Deu mais uma tragada e, então, expirou, vizualizando diante de si a imagem fantasmagórica de seu homem.
               "Cretino", disse, antes que ele a beijasse violentamente. Dançaram romanticamente nos vinhedos, e depois nos salões repletos de gente, e depois subiram aos negros céus, ignorando a gravidade. Acreditaram somente na lua pálida que os contemplava.
                                                                    (...continua...)
                                                                        

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