segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A Sarjeta

        Como era bom estar ali!Quando o frio e a imundície eram tudo ao meu redor, havia sempre mãos calorosas dispostas a me oferecer mais um copo de vinho.O líquido aveludado e escarlate escorria de meus lábios qual o sangue dos beiços dum lobo; a lua fitava-me, pálida, pressagiando mais longas noites de loucura.
         Hécate, onde estavam os meus óculos, quando as brisas embaçavam meus sonhos de amor? Duma fissura no chão surgiam braços, do varal pendiam ossos, todos a me pedir silêncio, mas a mão insistia em me oferecer o vinho vertido em vinagre.
         Virei os olhos, envesguei-me, como a suplicar a alguma força interna que me indicasse o calor, que me mostrasse a luz, mas os vidros embaçados de minhas córneas me negavam a visão, a sensibilidade de minha pele confundia-se com o vento gélido daquela noite.
          Então eu o vi. Era a própria personificação de uma estrela qualquer - brilhante, mágico, ofuscante. Vinha roubar-me a vida em três suspiros, rasgar-me a alma num só movimento. Aproximou-se, trazendo consigo o calor, fazendo derreter, como cera, a mão e o vinho, agora mesclados num rosa medonho.
           Estendeu-me a mão e fez-me, por um segundo, nunca mais querer despertar.